Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
28 de Abril de 2024

Aprovado o Projeto de Lei que reconhece a surdez unilateral como deficiência

PLS nº 23/2016 corrige entendimento da Súmula nº 552 do STJ.

há 6 anos

Na última quarta-feira (8), foi aprovado no Senado o Projeto de Lei nº 23 de 2016, que prevê expressamente o direito de candidatos portadores de surdez unilateral às vagas reservadas a pessoas com deficiência em concurso público. Agora, o PL retorna à Câmara dos Deputados para apreciação de duas emendas propostas pelo Senado e, na sequência, segue para sanção presidencial.

Desde a alteração realizada no Decreto nº 3.298/1999, em 2004, havia se estabelecido uma discriminação em faces dos portadores de surdez unilateral. Sujeitos com absoluta incapacidade de audição em umas das orelhas, a anacusia unilateral, eram impedidos de se utilizar das vagas reservadas a pessoas com deficiência, ainda que a literatura médica reconheça amplamente as dificuldades enfrentadas por pessoas nesta condição, em decorrência, principalmente, da falta do benefício do tempo interaural, responsável pela localização espacial do interlocutor na fala.

A falta do tempo interaural, dificultando a localização espacial da fonte sonora, causa nos indivíduos “menor compreensão da fala em ambientes com competição de ruídos, aumentando neles o sentimento de confusão e perda de concentração”.[1] Para Almeida, Ribas e Ataíde, “as dificuldades de comunicação relacionadas à perda auditiva unilateral são grandes e envolvem problemas com a localização da fonte sonora, com o processamento temporal da informação e com as dificuldades de compreensão em ambientes degradados, na presença de ruído competitivo, ou na interlocução com mais de duas pessoas”[2].

Apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça - STJ, em jurisprudência dissonante com a sua própria interpretação em relação aos portadores de visão monocular, consolidou o entendimento de que os unilateralmente surdos não tinham direito às vagas reservadas. Inclusive, em 2015, pouco tempo depois da publicação da Lei Brasileira de Inclusão, editou a Súmula 552, indicando expressamente a inexistência desse direito.

A discriminação projetada em relação aos unilateralmente surdos se agrava ainda mais quando se verifica que, frequentemente, caso optem por concorrerem às vagas de classificação geral, são considerados inaptos nos exames médicos. Isso justamente por causa da surdez unilateral. Ou seja: quando concorrem, em concurso público, às vagas reservadas a deficientes, são desclassificados. Quando concorrem às vagas de classificação geral, são igualmente desclassificados. Na prática, essas decisões obstam o ingresso de portadores de surdez unilateral na carreira pública, o que afronta o princípio constitucional do amplo acesso aos cargos públicos e da promoção de direitos aos portadores de deficiência.

Por conta disso, atento a estas questões e demonstrando bastante sensibilidade, o Tribunal Superior do Trabalho – TST adotou reiteradamente o entendimento de que o Decreto nº 3.398/1999 deveria ser interpretado de modo teleológico, ou seja, prestigiando os fins para o qual havia sido editado. Assim, prevaleceu o entendimento de que não era necessário que a deficiência estivesse especificada no art. do Decreto 3.298/1999, bastando que ficasse demonstrado que a condição do candidato se configurava como deficiência a partir a definição do art. , ou seja, que houvesse um impedimento de longo prazo, capaz de obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em equidade de condições com as demais pessoas.

A aprovação do Projeto de Lei 23/2016 pelo Senado só vem confirmar a retidão da jurisprudência inclusiva do TST, que melhor retrata o conceito de deficiência, garantindo sua abrangência àqueles cuja condição biológica, associada ao ambiente, tem maiores dificuldades de se integrar efetiva e plenamente na sociedade. Inclusive, após a sanção presidencial e a publicação da norma, partindo-se da correta interpretação de que a nova lei somente confirma a adequada interpretação que já era defendida na jurisprudência do TST, entende-se que o candidato indevidamente excluído poderá pleitear judicialmente, ou até administrativamente, o reconhecimento deste direito em relação a concursos encerrados ou em andamento, respeitado o prazo prescricional.

Publicado originalmente em: http://schiefler.adv.br/aprovado-projeto-de-lei-que-reconheceasurdez-unilateral-como-deficiencia/


[1] MONDELLI, Maria Fernanda Capoani Garcia et al . Perda auditiva unilateral: benefício da localização auditiva após adaptação de aparelho de amplificação sonora individual. Arquivos Int. Otorrinolaringol. (Impr.), São Paulo, v. 14, n. 3, p. 309-315, Sept. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-48722010000300007&lng=en&nr.... Acesso: 14 Jan. 2017. http://dx.doi.org/10.1590/S1809-48722010000300007.

[2] ALMEIDA, Gleide Viviani Maciel; RIBAS, Angela; ATAÍDE, André Luiz de. Reabilitação de perdas auditivas unilaterais por próteses auditivas implantáveis: revisão sistemática. Audiology - Communication Research, [s.l.], v. 22, p.1-7, 28 set. 2017. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-2017-1847.

  • Sobre o autoradvogado, doutor em Direito do Estado (USP)
  • Publicações9
  • Seguidores317
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações10791
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/aprovado-o-projeto-de-lei-que-reconhece-a-surdez-unilateral-como-deficiencia/610558500

Informações relacionadas

Rodrigo Leite, Procurador e Advogado Público
Artigoshá 10 anos

Surdez unilateral e concursos públicos: a nova posição do STJ

Luciana Machado, Advogado
Artigosano passado

O deficiente auditivo e o direito ao BPC/LOAS

Consultor Jurídico
Notíciashá 9 anos

Surdez unilateral não dá direito a concorrer a vaga para deficientes

Kayo Melo, Advogado
Modeloshá 4 anos

[Modelo] Razões Finais/Memoriais Trabalhista

Alessandra Strazzi, Advogado
Artigosano passado

Preciso retificar o CNIS com a CTPS antes de ajuizar a Revisão da Vida Toda?

16 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

Com todas essas informeções ainda há duvidas.

Irritabilidade
Aversão ao som: qualquer presença de ruído, por mínima que seja
Linguagem corporal ou maneirismos que parecem socialmente estranhos ou não usuais, como olhar fixamente para a boca dos outros ou virar a cabeça frequentemente
Dores de cabeça frequentes, stress, estafa mental devido à maior necessidade de concentração constante para obter inteligibilidade do som
Dificuldades crônicas de comunicação interpessoal devido à inabilidade de isolar sons e vozes vindos de outros indivíduos
Isolamento social
Aparência de ansiedade mesmo em situação com ruído baixo
Dificuldade de localizar a origem dos sons. Por exemplo, não é possível localizar alguém que a esteja chamando, um celular tocando, ou praticar vários tipos de esporte cuja dinâmica de movimentação seja rápida e dependa de localização espacial dos elementos do jogo.
Tontura leve, que varia de intensidade de acordo com as condições físicas do indivíduo
Dificuldade de prestar atenção ao que está sendo dito: comportamento "evasivo" e "distante"
Dores no pescoço, devido à necessidade frequente de virar a cabeça em ângulos mais extremos do que o usual, no esforço para localizar a origem dos sons
Incorretamente diagnosticada como TDAH
Aparente falta de percepção do humor e espaço pessoal dos que estão à sua volta, devido ao cérebro estar hiper-focado em decifrar informação auditiva, em prejuízo à percepção da linguagem social não-verbal
Perda da percepção de profundidade do som: qualquer ruído de fundo (na sala, no automóvel) é plano e interpretado incorretamente pelo cérebro. O efeito é similar ao que ocorre quando se tenta ouvir alguém falando em uma multidão barulhenta através de uma TV mono. O efeito é também similar à falar com alguém ao telefone quando se está em um ambiente barulhento (vide: sindrome de King-Kopetzky)
Consequente perda da capacidade do cérebro de filtrar ruídos inconscientemente ou ouvir seletivamente somente a parte importante do ruído no meio ambiente (vide: Efeito festa de coquetel)
Consequente dificuldades na projeção da voz. Dependendo das condições de ruído, poderá falar alto demais, baixo demais, reforçar demais a entonação (soando agressivo), ou atenuar demais e parecer monotônico e frio, passando involuntariamente mensagens sociais incorretas às pessoas com quem se relaciona.
Para as perdas neuro-sensoriais, a falta de sinal vindo do aparato sensorial danificado pode causar "sons fantasmas", ou tinnitus, uma vez que o cérebro tenta interpretar a agora ausente informação sensorial. A freqüência e o volume deste ruído pode aumentar de acordo com as condições físicas da pessoa (stress, fatiga, etc). Esse ruído interno adicional pode agravar problemas de interação social e incrementar a dificuldade de compreensão da fala. continuar lendo

Que colocação otima! Até hoje não havia lido nada tão completo sobre os meus sintomas da surdez unilateral.
apresento as mesma dificuldades, todo mundo reclama que falo alto demais. continuar lendo

Olá, esta lei já esta em vigor?
em 2017 perdi a audição esquerda CID90.4, era motorista, estou desempregado , posso concorret ha uma vaga para deficiente, tenho também problemas na coluna e ja fui diagnosticado como bipolar, posso me aposentar por invalidez?
obrigado continuar lendo

Eu não escuto no meu ouvido esquerdo. Me descreveu perfeitamente. continuar lendo

Gostaria de saber se o PL 23 foi aprovada ou não? O post não deixou claro se já virou lei. continuar lendo

Ainda não é lei, o autor deveria consertar o título continuar lendo

Eu tenho o pobrema de ouvido já fiz perícia do que te agora não recebi o meu percurso continuar lendo

Eu acho que se um direito da gente o governo tinha da o direito continuar lendo

Eu também tenho problema relacionado a perda de audição na minha orelha direita,o médico Otorrino me falou na ultima consulta que eu não morrerei sem o enxerto.
agora no momento estou com pouca dores de ouvido mais nos últimos dias doeu demais.
isso ocorreu segundo o médico devido ao meu trabalho com telefonia durante toda a minha vida. continuar lendo